Hino à seleção brasileira no Mangueirão e as paixões paraenses

Hoje venho com um artigo que recebi por email acerca do Hino do Brasil cantado no Mangueirão no jogo da seleção brasileira contra a Argentina em Belém, no Pará, emocionando toda a torcida brasileira, contagiando os jogadores e fazendo os argentinos tremerem em 28/09/2011.

Vale a pena ler.

Por Magda Ricci - O dia de ontem marcou época. Foi no jogo da seleção brasileira no estádio Mangueirão, em Belém do Pará. Em um daqueles momentos únicos a multidão – que pagou caro para assistir ao amistoso – fez a comoção de todos e cantou, à capela, o hino nacional brasileiro.

Em tempos tão pouco patrióticos, repletos de escândalos e de falcatruas no Pará e no Brasil, como explicar este gesto espontâneo? Como traduzir seus significados no atual cenário paraense e relacioná-los ao passado e à história deste Estado?

Cantar o hino nacional brasileiro parece estar fora de moda no Brasil. Seu cantar tornou-se protocolar. Foi uma surpresa nacional a cantoria paraense e sua letra não arremedada. Ainda salta na memória as cenas de um triste passado em que alguns jogadores da seleção brasileira não sabiam cantar seu hino diante das câmeras da sua nação nos anos de 1982 ou 1986. Naquela época eles tomaram aulas, mas aqueles eram outros anos. Toco neles para lembrar que no Pará e no Brasil do final dos tempos da ditadura, ser brasileiro também era um ato de fé. No cantar do hino havia ainda a vontade de construir outro Estado paraense e outra relação deste com a nação brasileira. Eram tempos de nova constituição, políticos, partidos, movimentos sociais e outras tantas mais novidades. Hoje o hino tornou-se um velho companheiro do qual até podemos ter amor, mas não paixão. Será? Então como explicar o canto apaixonado no dia de ontem em Belém do Pará? Existem aqueles que entendem o sentido do cantar emotivo como uma vingança político-futebolística. Foi um hino contra a CBF. Hino hostil ao fato – por demais inexplicável – do povo paraense (e de Belém do Pará) ter ficado fora do rol das cidades brasileiras que sediarão os jogos da futura Copa do Mundo.

Existe um amor local ao futebol e uma torcida afinada que certamente faria tudo para ver e – mais do que isso – fazer a Copa acontecer diante do Brasil e do mundo. Neste sentido, é certo que o hino ali entoado estava pleno de todo esse desgosto. O que para alguns políticos e dirigentes de futebol pode ter sido uma “decisão técnica”, para a maioria dos paraenses foi uma dor sem fim. Em uma cidade onde o futebol é assunto vital e tema pelejas – às vezes até violentas – entre torcidas rivais, a seleção encontraria acolhida segura. Para além do Remo, Paissandu e Tuna luso existe o amor ao esporte que pela cidade de Belém ainda é jogado quase ingenuamente.

Em Belém ainda há lugar para as famosas “peladas”, que estão nos canteiros de avenidas ou em gramados de praças sempre tomadas pelo povo que, ainda hoje, ocupa muito apropriadamente os espaços públicos. O futebol em Belém não é só negócio, ainda é paixão e esta paixão certamente esteve presente na cantoria ao hino ontem no Mangueirão.

Todavia, em que pese a importância do tema, creio que não se trovou ontem apenas por indignação futebolística. Temos que ler o hino comovente por seu lado político, mas não politiqueiro. Percebe-se nele o brado forte de uma cidade unida ao seio de um Estado e de um País que nem sempre reconhece seu povo em suas demandas e problemas. Salta aos olhos o cenário de um Pará às beiras de uma decisão fulcral: será um único Estado, ou serão três? Neste sentido, o cantar do hino comove a todos: aos que cantam por um Pará unido, o hino torna-se um símbolo maior desta união (local e nacional). Aos outros, transforma-se em um lamento e súplica por mudanças políticas que (estes creem) farão justiça aos que injustiçados se sentem.

De qualquer forma trata-se de um cantar revigorante e indignado. O cantar de um povo que fez do seu hino nacional um lema para pleitos antigos. Futebolísticos ou políticos estes pleitos são cantos que clamam por justiça a ser feita a um povo que traz na sua herança marcas profundas e históricas de injustiças e apagamentos da memória. Povo cabano e lutador de 1835. Povo reprimido e esquecido na monumentalidade dos rios e selvas Amazônicas. Revolucionários foram os paraenses que tiveram, e ainda tem motivo para continuar a lutar.

O Pará ainda hoje é terra de povo indignado porque, apesar de tantas conquistas do Estado do Pará e do Brasil atuais, ainda se mantém mazelas seculares. Ao vermos a corrupção, a politicagem e as injustiças que grassam pelas terras paraenses estas mazelas parecem estar longe de serem resolvidas. Todavia um cantar como o de ontem faz renascer as esperanças de que, quiçá unidos, transformemos este Estado, como tantas vezes os jogadores de futebol o fizeram em tristes espetáculos no passado não tão recente. , mas seus significados traduzem algum sentimento, ora inventado, ora interiorizado, mas sempre politicamente construído pela história de uma região, pátria ou nação. O que os belenenses e paraenses do Mangueirão podiam interiorizar neste cantar para sua seleção?

Magda Ricci.
Barcelona, 29 de setembro de 2011
Docente e pesquisadora da Faculdade de História da UFPA e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, atualmente realizando estudos de Pós-Doutorado na Universidade de Barcelona.


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